quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Reeducação Postural Global: uma revisão da literatura


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Introdução

No início da década de 50, a terapeuta corporal francesa Françoise Mézières elaborou, por meio de observação cuidadosa, uma proposta de atuação que revolucionava a forma de trabalhar o corpo: surgia assim a antiginástica. A inovação proposta por Mézières pautou-se na seguinte observação: cada vez que se tentava tornar menos acentuada a curva de um segmento da coluna vertebral, ela se deslocava para outro segmento. Dessa forma, era necessário considerar o corpo em sua totalidade e cuidar dele enquanto tal. A causa única, porém, de todas as deformações era o encurtamento da musculatura posterior, consequência inevitável dos movimentos cotidianos do corpo1.

Philippe-Emmanuel Souchard ensinou o Método Mézières durante 10 anos no Centro Mézières, no sul da França. Fundamentou essa forma de trabalho em seu profundo conhecimento de anatomia, biomecânica, cinesiologia e osteopatia, campos que lhe permitiram embasar o método hoje conhecido como Reeducação Postural Global (RPG)2.

A fisioterapia convencional usa o alongamento estático, que consiste em alongar um único músculo ou um grupo de músculos, sustentado até um ponto tolerável durante aproximadamente 30 segundos3. O RPG se baseia no alongamento global de músculos antigravitários e organizados em cadeias musculares alongadas simultaneamente por aproximadamente 15 a 20 minutos. Em ambos os casos, não se permitem compensações4.

Muitos fisioterapeutas no Brasil e em outros países têm utilizado o método RPG com resultados empíricos satisfatórios e, embora o método seja clinicamente muito utilizado, a literatura ainda é escassa e com resultados controversos ou que mostram similaridade com o alongamento segmentar.

Este estudo tem como objetivo realizar, com base na literatura científica, uma análise crítica dos efeitos da intervenção fisioterapêutica utilizando o método RPG.

 

Materiais e métodos

Foram pesquisadas as bases de dados Medline, SciELO, LILACS e PeDRO, no período de 2000 a 2010, além de livros e teses que abordam especificamente o tema, utilizando as palavras-chave: RPG, alongamento global e alongamento ativo. Os artigos foram selecionados a partir da leitura do abstract, sendo excluídos aqueles que não consideraram em sua metodologia os princípios do método RPG ou que não explicitavam a metodologia utilizada.

 

Resultados

Foram identificados 25 estudos, entre os quais, 13 envolviam o método RPG, sendo duas revisões de literatura, um estudo de caso e dez ensaios clínicos, e oito eram relacionados aos alongamentos global e ativo, além de três livros e uma tese. A partir dos critérios de exclusão, 20 referências foram utilizadas. Os tipos de estudo, procedimentos realizados e principais resultados apresentados naqueles que envolviam o método RPG estão apresentados na Tabela 1.

 

Discussão

Análises qualitativas e quantitativas que utilizam métodos de avaliação cientificamente aceitos são fundamentais para conferir evidência científica ao método. Estudos com essa característica têm se tornado mais frequentes na última década. O trabalho de Teodori et al.5 aponta dados quantitativos sobre a expansibilidade torácica e pressões respiratórias máximas, comprovando o efeito positivo da postura "rã no chão com braços fechados", aplicada em sessão única sobre a força muscular respiratória e mobilidade torácica em indivíduos saudáveis. Souchard6 considera que alterações na mecânica respiratória são decorrentes do encurtamento excessivo dos músculos da cadeia respiratória. Considerando que o encurtamento da cadeia ântero-interna do braço pode contribuir para a limitação da expansibilidade torácica, Moreno et al.7 estudaram o efeito da postura "rã no chão com braços abertos" para enfatizar o alongamento dos músculos da cadeia respiratória. O aumento das pressões respiratórias máximas e da expansibilidade torácica reforça a importância da postura escolhida, bem como de um programa de tratamento mais prolongado em lugar de sessão única de alongamento, além de trazer subsídios para o estabelecimento do tempo mais adequado de intervenção na clínica.

No estudo de Fozzatti et al.8, não há definição de quais posturas do método RPG foram utilizadas; a idade das mulheres variou entre 23 e 72 anos, o que pode diferenciar a condição muscular e suas respostas ao tratamento; o tempo de queixa de incontinência urinária de esforço (IUE) variou de 1 a 23 anos, o que pode refletir diversidade de condição funcional dos músculos do assoalho pélvico. Além disso, os autores não mencionam se as mulheres eram nulíparas, e o estudo não contou com grupo controle. Apesar dessas limitações, é possível que a RPG favoreça o equilíbrio entre a lordose lombar, os músculos transversos do abdome, relacionados à manutenção da pressão intra-abdominal; a mobilidade do diafragma torácico, relacionada às variações de pressão intra-abdominal, e o eixo de rotação das articulações coxofemorais, conforme discutido pelos autores. Entretanto, é fundamental que os critérios de inclusão sejam rigorosamente considerados para a seleção dos voluntários para estudos científicos.

No estudo de Fozzatti et al.9, em que todas as posturas do método RPG foram utilizadas, com ênfase naquelas que simulam as atividades diárias que provocam incontinência (em pé, sentada, com inclinação anterior), houve melhora da flexibilidade, elasticidade e força dos músculos do assoalho pélvico. Nesse estudo, o número de partos variou de zero a nove, sendo a maioria do tipo vaginal. Porém, novamente a idade das pacientes variou amplamente (30 a 72 anos), assim como o tempo de duração dos sintomas (1 a 20 anos). Essas são limitações comuns quando se trata de ensaios clínicos, uma vez que, mesmo em centros específicos de atenção a determinadas alterações da saúde, como é o caso da IUE, há grande variabilidade da amostra. Atribuiu-se às posturas utilizadas o papel de reequilíbrio entre as estruturas da coluna lombar e da pelve, influenciando a resposta dos músculos do assoalho pélvico ao estresse e às variações da pressão intra-abdominal. Os autores destacam as vantagens do método RPG por não ser invasivo e não causar efeitos colaterais, apontando a necessidade de novos estudos controlados.

Os resultados obtidos por Cabral et al.10 em mulheres com síndrome femoropatelar evidenciam que a intervenção pelo método RPG promoveu redução da dor, o que foi atribuído à sobrecarga de estímulos proprioceptivos promovida especialmente pela postura do "esquiador". Esse resultado é de extrema importância para a clínica e favorece a eleição do método RPG para intervenção. Presença de dor após lesão pode predispor espasmo muscular, limitando a amplitude de movimento articular. McHugh e Cosgrave11 destacam que o alongamento promove aumento da amplitude de movimento articular devido à diminuição da resistência passiva ao alongamento, ou seja, diminuição da rigidez muscular ou aumento da complacência muscular, especialmente quando o tempo de duração do alongamento é mais prolongado, contribuindo para a redução da dor, o que reforça os resultados obtidos no estudo de Cabral et al.10. Porém, outros mecanismos relacionados à redução da dor necessitam ser investigados no âmbito do alongamento global, o que poderia reafirmar o método RPG como forma de tratamento preferencial em diversas alterações posturais e casos ortopédicos.

A maioria dos estudos localizados por meio desta pesquisa caracteriza-se como ensaio clínico randomizado, tendo como objetivo mais comum comparar a eficácia do método RPG com a de outros recursos, considerados pelos respectivos autores como "convencionais". Os resultados obtidos em alguns desses estudos confirmam os benefícios do método5,7,10,12,13, enquanto outros o colocam em condição de igualdade em relação aos recursos convencionais4,14,15.

Mesmo considerando os estudos em que as intervenções baseadas no método RPG confirmam sua eficácia, há que se analisar de forma criteriosa o método de pesquisa. Nesse aspecto, observa-se que, na maioria dos estudos aqui considerados, o método de intervenção baseou-se em uma ou duas posturas preconizadas pelo método de RPG, previamente definidas para a aplicação em todos os sujeitos que compunham a amostra. Visto que a escolha das posturas empregadas numa sessão de RPG depende dos dados obtidos em exame específico, composto de interrogatório, avaliação postural e manobras de correção16, a inclusão de sujeitos nos grupos submetidos a uma conduta terapêutica comum deveria ser baseada também em padrões posturais semelhantes, com indicação para o tratamento por meio das posturas investigadas. Entretanto, somente o estudo de Moreno et al.7 utilizou padrões posturais como critério de inclusão para composição da amostra.

Outro aspecto a ser considerado é o parâmetro "duração das sessões", que variou entre 2017 e 60 minutos15, sendo que, dentre os ensaios clínicos, em cinco deles, o tempo de intervenção foi inferior a 50 minutos4,5,7,10,17. Sendo o tempo prolongado de manutenção do alongamento um dos argumentos favoráveis ao método RPG, é importante salientar que, em dois desses ensaios5,12, os resultados da intervenção foram positivos, favorecendo a comprovação da eficácia do método em relação aos respectivos parâmetros investigados.

O número de sessões de intervenção também variou, assim como os relatos de seguimento após o término da intervenção. Teodori, Guirro e Santos18 constataram a presença de reequilíbrio muscular após sessão única de RPG, havendo perda progressiva dos resultados nas semanas subsequentes à intervenção. Maluf et al.4 aplicaram oito sessões de RPG em pacientes com disfunção temporomandibular, observando melhora da dor e da atividade eletromiográfica dos músculos envolvidos na articulação, porém, durante o seguimento de dois meses, houve discreta redução dos ganhos obtidos.

Uma preocupação comum aos fisioterapeutas após intervenção corretiva é por quanto tempo o resultado se mantém. Timson19 discute que o aumento do número de sarcômeros em série e a reorganização do colágeno após alongamento sustentado geralmente são revertidos quando o estímulo ao alongamento é removido. Ben e Harvey20 submeteram indivíduos saudáveis e ativos a sessões diárias de 30 minutos de alongamento sustentado durante seis semanas e observaram aumento da tolerância ao desconforto associado ao alongamento, mas não houve aumento da extensibilidade muscular, o que sugere a necessidade de um programa de tratamento que envolva maior número de sessões de intervenção quando se utiliza o método RPG.

Cunha et al.15 observaram resultados similares na dor cervical crônica e mobilidade cervical ao compararem os efeitos do alongamento global e do alongamento estático convencional, ambos em associação com terapia manual. Nesse estudo, contrariamente ao observado nos demais que realizaram seguimento, todos os ganhos foram mantidos após seis semanas do término do tratamento.

Também é importante considerar outra diferença observada entre as diversas metodologias utilizadas nos diferentes estudos. No trabalho de Fernández-de-Las-Peñas et al.12, a intervenção era aplicada em grupos de indivíduos portadores de espondilite anquilosante, os quais eram supervisionados pelo terapeuta durante a realização das posturas (em pé com inclinação anterior, rã no ar, rã no chão, sentado e em pé apoiado na parede), na ausência de contatos manuais. O contato manual do terapeuta tem importante papel na estimulação tátil e proprioceptiva, facilitando a percepção dos movimentos e posturas que necessitam ser corrigidas durante o alongamento. Assim, seria interessante investigar se a intervenção individualizada poderia trazer benefícios ainda maiores a esses pacientes.

Com respeito aos ensaios clínicos, critérios relacionados à qualidade metodológica do estudo, como a apresentação de cálculo amostral5,8,10,12,17 a utilização de grupo controle8,17 e o cegamento dos pesquisadores responsáveis pela avaliação dos resultados5,8-10,17, foram atendidos somente por uma parcela dos estudos aqui analisados, o que constitui um argumento limitador para a confirmação da eficácia do método e sugere a necessidade de maior rigor metodológico em pesquisas futuras.

 

Conclusão

Parte dos estudos aponta que o método RPG foi mais efetivo nas condições analisadas, enquanto outros mostram resultados similares ao alongamento segmentar. Os estudos relatam benefícios do método na melhora da força muscular respiratória, expansibilidade torácica, mobilidade toracoabdominal e da pressão respiratória máxima, além de redução da dor e da perda de urina em mulheres incontinentes, melhora da flexibilidade, da atividade eletromiográfica nas disfunções temporomandibulares e da estabilidade postural em alterações ortopédicas de membros inferiores.

Em grande parte dos trabalhos, não há uma descrição detalhada das posturas aplicadas, limitando e dificultando a comparação entre os diferentes estudos.

 

Referências

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POR:

Rosana M. TeodoriI; Júlia R. NegriII; Mônica C. CruzIII; Amélia P. MarquesIV



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